Fundada a monarquia, aparecem referências aos procuradores e advogados do rei encarregados dos negócios do fisco e da coroa. Mas não se tratava de cargos permanentes, antes de nomeações para casos específicos.
É só no tempo de D. Afonso III que surge o cargo de procurador do rei com características de permanência e o privilégio de "chamar à casa do rei" as pessoas que com ele tinham pleitos.
Não estava ainda então instituída uma magistratura, pois só à medida que foram criados tribunais regulares e publicadas leis gerais que substituíam o direito dos forais privativos de cada terra, se foi reconhecendo a necessidade de estabelecer uma estrutura que apoiasse os que reclamavam justiça e defendesse o interesse geral.
Estes traços vieram a encontrar-se na figura do procurador da justiça, existente no tempo de D. João I, cujo regimento consta do título VIII do livro I, das Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446 ou 1447 nestes termos: "E veja, e procure bem todos os feitos da Justiça, e das Viúvas, e dos Orphãos, e miseráveis pessoas, que a Nossa Corte vierem".
Também o alvará de 28 de março de 1514 se refere já ao procurador do rei, mandando que não responda a citação feita contra este sem se lhe apresentar alvará de licença.
E a ordenação manuelina de 1521, nos títulos XI e XII do livro I, compendiou as obrigações do procurador dos feitos do rei, do promotor da justiça da Casa da Supplicação e dos promotores da justiça da Casa do Cível. O alvará de 22 de janeiro de 1530 restabeleceu a obrigação de os procuradores dos feitos do rei, tanto da coroa como da fazenda, promoverem, sem necessidade de terem para cada feito mandado especial.
Também segundo as ordenações filipinas, havia na Casa da Suplicação um procurador dos feitos da coroa e um procurador dos feitos da fazenda, um promotor de justiça e um solicitador da justiça e na Casa do Cível da Relação do Porto um promotor da justiça e um solicitador da justiça.
Mais tarde, o decreto de 21 de agosto de 1637 proibiu que se consultassem matérias de jurisdição sem ser ouvido o procurador da coroa.
Foi esta evolução, notoriamente influenciada pelas vicissitudes do poder político e muito colada ao fluir de instituições como a Casa da Suplicação ou a Casa do Cível, que levou os doutrinadores a pensar que a instituição do Ministério Público em Portugal não teve origem francesa mas foi uma resultante "das necessidades da justiça e da preparação de uma época".
E não parece efetivamente arriscado dizer-se que as transformações operadas até meados do século dezoito não são identificáveis com este ou aquele movimento de ideias, devendo as coincidências ser preferentemente atribuídas a uma evolução paralela de instituições.
Desaparecido o feudalismo, centralizada a administração da justiça, houve necessidade de organizar a representação da sociedade junto dos tribunais ou, pelo menos, de instituir uma função de iniciativa ou ação pública. Aparece, aqui, o Ministério Público, com uma fisionomia que naturalmente decorria das características próprias das jurisdições junto das quais funcionava e refletia as aquisições importadas de idênticos modelos de organização do poder político.
Esta tendência percorreu toda a Europa, exceptuada a Inglaterra (em que prevaleceu o princípio da cação popular e não chegou a constituir-se uma estrutura comparável à dos ministérios públicos continentais). Sem prejuízo da aproximação que lentamente se foi fazendo, o direito inglês manteve-se fiel à ideia de que os advogados da coroa (mais tarde os acusadores públicos) só intervêm em casos graves, casos em que pode dizer-se que está em causa a ordem pública de que o rei é defensor e garante.
Estabelecido o regime liberal e outorgada a carta constitucional, o poder ocupou-se da reorganização do Ministério Público e fez publicar a lei de 12 de novembro de 1822 que, no entanto, não viria a ser executada, por reação absolutista.
Uns anos mais tarde, criada, por decreto da regência, na Ilha Terceira, uma junta de justiça para exercer jurisdição criminal e toda a jurisdição cível que pelas ordenações e leis do reino era atribuída às Relações, o decreto de 30 de junho de 1830 instituiu um lugar de procurador régio para seguir, naquela junta, os termos da acusação e promover a execução das decisões. O mesmo decreto previa igualmente a colocação, nos juízos de primeira instância, de promotores de justiça com atribuições idênticas às do procurador régio.
A organização do Ministério Público, em termos definitivos, acabará por fazer-se com o Decreto n.º 24, de 16 de maio de 1832, conhecido por "decreto sobre a reforma das justiças" e assinado, em Ponta Delgada, pelo regente D. Pedro, duque de Bragança, em nome de D. Maria II.
Este diploma é um marco fundamental na história do Ministério Público e deve-se a Mouzinho da Silveira, então ministro e secretário de Estado da Repartição dos Negócios da Justiça. Por ele foi criado o Supremo Tribunal de Justiça e, junto deste tribunal, o cargo de procurador-geral da Coroa, estabelecendo-se que "a pessoa nomeada para este Emprego ficará desde logo sendo em tudo considerada como Membro do Supremo Tribunal".
Junto de cada tribunal de segunda instância, foi previsto um lugar de procurador régio, "com a mesma Graduação e Ordenado dos Membros do Tribunal" e, em cada juízo de primeira instância, um delegado do procurador régio, que nesse cargo faria carreira para juiz de direito. Havia ainda, em cada julgado, um subdelegado do procurador régio, da escolha e confiança do delegado.
Esta estruturação foi, depois, desenvolvida pelo Decreto n.º 27, de 19 de maio do mesmo ano, que definiu em pormenor o estatuto do procurador-geral da Coroa. Ficou estabelecido que este exercitaria junto do Supremo Tribunal de Justiça atribuições idênticas às dos procuradores régios nos tribunais de segunda instância, "tanto nos objectos do interesse da Corôa, como nos da Fazenda Pública". Competia ao procurador-geral da Coroa, cujo cargo era hierarquizado face aos procuradores régios, além das funções junto do Supremo Tribunal, seguir os termos de acusação perante a Câmara dos Pares, intervir como comissário do Governo perante as Câmaras (para o que tinha lugar no banco dos ministros), exercer funções de consulta nos negócios em que o governo julgasse conveniente e ainda, exercer funções de consulta, em benefício das Câmaras, em matéria de legislação.
O desenho institucional do Ministério Público apresenta, nesta regulamentação, traços que perduraram no tempo ou se impuseram definitivamente, dissentindo de modelos vigentes noutros países e, nessa medida, autorizando os autores a sustentar o carácter idiossincrático da organização do Ministério Público português. A hierarquização integral do corpo de magistrados (do subdelegado até ao procurador-geral da Coroa), contrariamente a lugares paralelos (como o francês e o italiano) em que a relação com o Governo se realiza diretamente entre o ministro da justiça e os escalões intermédios, o exercício de funções consultivas perante o Governo e as Câmaras e a natureza vestibular dos lugares de primeira instância (os delegados fazem nesse cargo carreira para juiz de direito) são alguns desses traços.
O regimento do Ministério Público surgiu com o decreto de 15 de dezembro de 1835, nele se estabelecendo um minucioso catálogo de normas de procedimento em que se inclui o dever de unidade, confirmando-se, no mais, as regras sobre hierarquia publicadas em 1832. Sobre o princípio de unidade, dispõe o Regimento que os procuradores régios de cada Relação se reunirão em conselho todos os meses, podendo convocar os delegados da capital do distrito, com vista a fixarem a posição que o Ministério Público deve sustentar em casos duvidosos e devendo a deliberação ser comunicada ao procurador-geral da Coroa.
O modo como, sem lesão do carácter essencialmente monocrático desta magistratura (por isso, a comunicação das deliberações ao procurador-geral da Coroa), se faz funcionar os mecanismos de garantia de unidade revela uma aguda e, inusitada para a época, percepção da especificidade da hierarquia no Ministério Público.
A Novíssima Reforma Judiciária, contida no decreto de 21 de maio de 1841, veio confirmar a organização anteriormente delineada.
Diz-se agora expressamente que os lugares de Ministério Público junto do Supremo Tribunal da Justiça são comissões de nomeação do rei, "amovíveis a seu arbítrio", mas podendo as pessoas que as ocuparem, tendo saído da classe dos juízes, regressar aos lugares anteriores ou ocupar aqueles a que tiverem ascendido. Os poderes diretivos do procurador-geral são igualmente previstos, prescrevendo-se que pode dar ordens e instruções a todos os "subordinados". Estabelece-se, do mesmo passo, que "o procurador-geral da coroa guardará a mais estricta imparcialidade no desempenho das suas funções, e sustentará sempre, como fiscal da execução das leis, os interesses da justiça".
Na forma como a Novíssima Reforma Judiciária desenvolve elementos de organização e procede à exaustiva enunciação das competências do Ministério Público são de destacar alguns aspectos interessantes. Assim, o procurador-geral da Coroa — a quem é reconhecido, como ao presidente e aos juízes do Supremo Tribunal, o título do conselho —, tem agora dois ajudantes. Define-se para os lugares de Ministério Público junto das Relações um estatuto de amovibilidade "a arbítrio do governo", com ressalva igual à estabelecida para o Supremo Tribunal e confirma-se a natureza vestibular da magistratura de primeira instância, tendo todos os lugares a natureza de comissões amovíveis mas sendo os delegados e os subdelegados (quando bacharéis formados em direito), candidatos legais à magistratura judicial, desde que tenham, respetivamente, seis meses ou um ano de exercício. Afirma-se a responsabilidade dos magistrados. As atribuições do Ministério Público aparecem consolidadas no seu polimorfismo inicial, distribuindo-se pela promoção da legalidade, pela defesa da independência dos tribunais, pelo exercício da cação penal, pela fiscalização dos funcionários de justiça e pelo exercício de funções consultivas. Na intervenção do Ministério Público estão abrangidos todos os feitos em que há um interesse público: conflitos de jurisdição e competência, reforma de autos, justificações de heranças ultramarinas, habilitações e justificações para sucessão de bens da coroa, mercês em recompensa de serviços feitos ao Estado, expropriações, confirmação de sentenças estrangeiras, custas, ações sobre o estado de pessoas ou tutelas. Compete ainda ao Ministério Público intervir em todos os feitos relativos a pessoas a que o Estado deva proteção e exercer funções de vigilância sobre os estabelecimentos prisionais. A iniciativa disciplinar e criminal relativa a juízes e empregados de justiça compreende o dever, imposto aos procuradores régios, de "ir por ordem do governo ao logar donde sahir esse juiz para averiguar, e informar se ha motivo para se lhe formar culpa". Prevê-se também que, quando se verificar a transferência de um juiz, "o governo designará membros do ministério público d´entre os que servem no supremo tribunal de justiça, ou perante as relações, para nas respectivas comarcas, precedendo as competentes requisições, examinarem, se nos feitos crimes, ou em quaesquer papeis e livros se encontra motivo de culpa contra estes juizes, e para receberem quaesquer participações, ou queixas de crime, ou erros de officio commettidos por elles no exercicio de suas funcções, a fim de transmittirem ao governo o que acharem, para elle prover nos termos das leis". Note-se que os juízes de direito eram obrigatoriamente transferidos de três em três anos.
É de salientar que, a par do Ministério Público que funcionava no continente e nas ilhas, havia o Ministério Público nas colónias, dependente da secretaria do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, e o Ministério Público junto do contencioso administrativo, ambos com organização própria embora com estrutura e regras de funcionamento afins. A organização do Ministério Público nas colónias rege-se, neste período, especialmente pelos decretos de 7 de dezembro de 1836, 16 de janeiro de 1837, 30 de dezembro de 1852, 1 de dezembro de 1866, 20 de fevereiro e 6 de dezembro de 1867, 17 e 18 de novembro e 1 e 17 de dezembro de 1869, 14 de novembro de 1878, 5 de agosto de 1881, 20 de fevereiro de 1894 e, um pouco mais tarde, pelos Decretos n.º 2 e n.º 3, de 16 de julho e 2 de agosto de 1902, e pelos decretos de 28 de março de 1905 e de 23 de agosto de 1906.
Entre as reformas posteriormente realizadas, merecem referência o decreto de 5 de novembro de 1851 que, face ao acréscimo de serviço, determinou que o expediente da Procuradoria-Geral da Coroa corresse perante uma secretaria privativa e o decreto de 12 de novembro de 1869, que concentrou no procurador-geral da coroa as funções anteriormente exercidas pelo procurador-geral da Fazenda, cargo que havia sido instituído por decreto de 30 de dezembro de 1836 com a função de "pugnar pelos justos e bem entendidos direitos da Fazenda Pública". O novo cargo passou a designar-se procurador-geral da Coroa e Fazenda, sendo o seu titular agora coadjuvado por seis ajudantes.
O diploma instituiu a obrigatoriedade de o procurador-geral reunir ordinariamente, duas vezes por mês, em conferência com os seus ajudantes "para serem apresentadas, discutidas e votadas as dúvidas que cada um tivesse". A opinião que fizesse vencimento deveria ser seguida e sustentada em respostas, pareceres ou consultas posteriores.
Pouco depois, com o decreto com força de lei de 9 de junho de 1870, as atribuições que pertenciam à secção administrativa do Conselho de Estado foram cometidas ao procurador-geral da Coroa e Fazenda, em conferência com os seus ajudantes.
Entre 1870 e o fim do século, as alterações detectadas são, com poucas exceções, meramente pontuais, como sucedeu nomeadamente com a lei de 16 de abril de 1874 (extinguiu os subdelegados junto dos juízes ordinários e determinou que as suas funções passassem a ser exercidas pelos delegados do procurador régio ou por pessoa em quem delegassem), o decreto de 29 de julho de 1886 (criou subdelegados para funcionarem junto dos juízes municipais ou para, nas comarcas, coadjuvarem e substituírem os delegados do procurador régio), o decreto de 25 de novembro de 1886 (fez passar, de novo, as funções consultivas para o Supremo Tribunal Administrativo) e os decretos de 29 de março de 1890 e 23 de dezembro de 1897.
A reorganização profunda do Ministério Público viria a ser feita pelo decreto de 24 de outubro de 1901.
O relatório preambular do diploma, elaborado pelo então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça Conselheiro Campos Henriques descreve, de modo impressivo, os objectivos da reforma:
"Senhor — A reorganização da magistratura do Ministério Público é necessidade de ha muito reconhecida no nosso país.
As funcções que lhe são próprias acham-se designadas dispersamente em varias leis e decretos: no regulamento de 15 de dezembro de 1835, na Novíssima Reforma Judicial, no decreto de 16 de janeiro de 1843, no Codigo do Processo Civil, nos decretos de 29 de março de 1890 e em muitos outros diplomas emanados de differentes ministerios.
A representação da sociedade nos tribunaes, a defesa da propriedade nacional, a accusação e perseguição dos crimes, a protecção aos incapazes, a cobrança coerciva dos creditos do Estado, a fiscalização escrupulosa e constante na applicação das leis e a difficil e importante attribuição de consultor do Governo: eis o vasto campo onde tem de se exercer a altissima e complexa missão do Ministério Publico.
Esta enumeração basta, Senhor, para demonstrar a importancia que numa sociedade bem constituida tem esta magistratura. D´ella disse um grande jurisconsulto e legislador "é o orgão da lei, o regulador da jurisprudência, o apoio consolador da fraqueza, o accusador terrível dos maus, a salvaguarda do interesse publico contra pretenções sempre renascentes de interesse particular; e, finalmente, uma especie de representante de todo o corpo social.
É certo, porem, que no nosso país a magistratura do Ministério Público não só não tem as garantias correspondentes aos serviços que presta, mas as suas variadas e complexas attribuições estão deficientemente definidas, chegando muitas vezes a duvidar-se se a cação do Ministério Publico é ou não obrigatória, ou se deve intervir como parte principal ou accessoria.
Já em 1860 o notavel jurisconsulto e estadista Mártens Ferrão apresentou ao Parlamento uma proposta de lei no sentido de, sem tirar o caracter de amovibilidade aos magistrados do Ministerio Publico, os pôr a coberto de contingencias determinadas apenas pelo capricho de um Governo.
Mais tarde o Sr. Conselheiro Veiga Beirão aceitou a alteração que na Camara dos Senhores Deputados foi introduzida na sua excellente proposta, com o intuito de, por assim dizer, regulamentar essa amovibilidade.
Em 1890, o illustre estadista Lopo Vaz de Sampaio e Mello melhorou os vencimentos dos delegados dos procuradores régios, consignando no relatorio que precedeu esse notabilissimo decreto a justiça e a necessidade de os augmentar tambem aos outros membros da classe.
Infelizmente não pôde ter realização essa promessa, como não foram convertidas em lei nenhuma das propostas a que fiz referencia.
Preciso se torna, pois, outorgar-lhe as garantias que possível seja; melhorar, sem prejuizo do Thesouro na occasião presente, a situação dos seus membros; precisar-lhe de uma forma inelludivel os direitos, definindo-lhe taxativamente as obrigações.
Necessidade que os Governos de todas as parcialidades politicas mais de uma vez affirmaram, procura o Governo obtemperar-lhe, baseando-se nos trabalhos feitos, nas conclusões assentes quer pelos mais sabedores profissionaes que do assumpto teem tratado, quer pelas comissões parlamentares, que teem versado a materia e dado sobre ella seu esclarecido parecer...".
E o decreto de 1901 realizou efetivamente uma ampla revisão do estatuto e regime de funcionamento do Ministério Público.
Entre as inovações mais importantes, contam-se:
O estabelecimento, para os magistrados, de casos taxativos de demissão e suspensão e a garantia de não serem suspensos ou demitidos sem audiência prévia do visado e do Supremo Conselho da Magistratura do Ministério Público.
A demissão só pode ocorrer por algum dos seguintes motivos:
1.º — infracção manifesta da lei;
2.º — desobediência ou falta de acatamento de ordens superiores;
3.º — negligência ou omissão de que resulte perigo para o interesse público ou para os serviços;
4.º — procedimento irregular que impossibilite o exercício das funções.
Inovação significativa é a que, fundando-se na necessidade de assegurar uma adequada "educação profissional", substitui o sistema anterior (em que os lugares de ajudante do procurador-geral da coroa, procuradores régios, seus ajudantes e de secretários da Procuradoria-Geral da Coroa e Procuradoria Régia podiam ser confiados a não magistrados), mediante um processo de recrutamento que incidirá obrigatoriamente em magistrados judiciais ou do Ministério Público, em comissão de serviço.
Ao mesmo tempo, adoptavam-se regras de classificação dos magistrados e mecanismos de acesso semelhantes aos já existentes para a magistratura judicial e estabelecia-se que a primeira nomeação dos magistrados se realizava para comarcas de 3.ª classe, ascendendo, depois, os magistrados a comarcas de 2.ª e de 1.ª classe, por antiguidade e distinção, "de forma que o merito possa ser premiado, mas nunca esquecido o tempo de serviço".
Fixa-se igualmente no diploma um regime disciplinar paralelo ao da magistratura judicial, organizando-se o Supremo Conselho de Magistratura do Ministério Público, constituído pelo procurador-geral da Coroa e Fazenda, que preside, pelos seus três ajudantes mais antigos, e pelo secretário do procurador-geral, que secretaria sem direito a voto.
Competia a este conselho:
1.º — fixar a antiguidade dos magistrados;
2.º — decidir as reclamações dos interessados relativas a antiguidade;
3.º — consultar sobre dúvidas apresentadas pelo procurador-geral relativamente a serviços a seu cargo;
4.º — consultar sobre a opinião que o Ministério Público deve seguir em casos duvidosos, tendo em vista a uniformidade de procedimentos;
5.º — emitir parecer fundamentado quando consultado sobre a demissão ou suspensão de magistrados do Ministério Público;
6.º — consultar sobre a aposentação de magistrados do Ministério Público;
7.º — ordenar, sem prejuízo da competência do governo, sindicâncias aos atos dos magistrados;
8.º — dar parecer em assuntos para que seja solicitado pelo governo.
O decreto de 1901 aperfeiçoa ainda um ou outro princípio (como o que proíbe os magistrados de grau superior de dar ordens contrárias à lei e impõe aos subordinados o dever de respeitosa representação e de, havendo insistência na ordem, comunicar ao governo), o princípio de que a magistratura do Ministério Público é paralela à judicial e dela independente, e os da amovibilidade, da hierarquia e da responsabilidade.
Dispõe-se agora concretamente que o procurador-geral da Coroa e Fazenda é nomeado entre magistrados judiciais de qualquer categoria, magistrados do Ministério Público de grau superior, lentes catedráticos de direito ou jurisconsultos de reconhecido merecimento.
O procurador-geral passa a ter oito ajudantes, sendo dois privativos do Supremo Tribunal Administrativo.
As funções consultivas estão distribuídas, conforme as matérias, pelo procurador-geral, a título unipessoal (artigo 46.º, n.º 2), pelo conselho formado por ele e pelos seus ajudantes (artigo 52.º), pela conferência dos "fiscais superiores da coroa" (artigo 56.º) e pelo Supremo Conselho de Magistratura do Ministério Público (artigo 135.º).
Junto de cada uma das Procuradorias Régias de Lisboa e Porto, há um Conselho da Procuradoria Régia, constituído pelo procurador régio, que preside, pelo seu ajudante, pelos dois delegados mais antigos da sede da Relação, pelo curador geral dos órfãos mais antigo e pelo secretário da procuradoria régia, que secretaria. Mantém-se o sistema anterior de comunicação das deliberações ao procurador-geral da Coroa e Fazenda, devendo agora os conselhos ser também ouvidos quando haja que aplicar a pena de suspensão a qualquer magistrado.
Os ajudantes do procurador-geral da Coroa e Fazenda são considerados iguais em categoria aos juízes de 2.ª instância.
O Ministério Público é integrado pelo ouvidor da Junta de Crédito Público, com as atribuições contidas no decreto de 8 de outubro de 1900.
Admite-se que os delegados do procurador régio possam renunciar à magistratura judicial em relação à qual são "candidatos legais".
Anote-se finalmente, a título de curiosidade, a forma veemente como Campos Henriques suscita, no relatório preambular do diploma, a questão salarial da magistratura do Ministério Público: "Excepção unica, os seus ordenados são os de ha mais de cincoenta annos, sobrecarregados hoje com deducções, que vão de 10 a 20 por cento".